29 octobre 2005

F For Fake


Fiz misérias nos caminhos do conhecer.
Mas hoje estou doente de tanta estupidez
porque espero ardentemente que alguma coisa... divina aconteça."

Ana C. in "A Teus Pés"


Melancolia a mil por hora na direção contrária da manhã que se arrasta. CD do Sigur Rós. Paredes quebrando e sol gelado. Leio Ana C. às nove da manhã. The Strokes agora parecem meio tristes. Músicas para se dançar chorando, com os olhos fechados. E sorrindo. Mansfield me chega em momento difícil.

25 octobre 2005

Kurt no Shopping

Sou o país miserável recebendo ajuda tardia sob a forma de uma caixa imensa. Kurt Cobain no shopping sem querer consumir nada. Meu país todo ocupado e os desejos morrendo de fome. A ficha foi lentamente caindo, num tilintar estilhaçador. Uma implosão, uma explosão, uma dor violenta de estômago no coração. Tudo tem gosto de última ceia, atravessada na garganta, misturada às lágrimas que não vêm. Me prendo a seus pés, às pernas, seguro suas mãos. Mas sou incapaz de prender seu coração. Veio ajuda de longe, com kits de primeiros socorros: as mais belas músicas, as mais belas cartas, K. Mansfield, Ovídio, letras de músicas, moedas de ouro... Uma oferenda aos deuses do Olimpo. Mas o paciente não se encontra em condições de receber visitas. Seu estado é crítico. Reage apenas às músicas do Interpol e do Arcade Fire. Hoje avistei a cidade, do alto da passarela. Parecia um brinquedo que perdeu a graça. Meus allstar verdes não hesitariam em saltar dali. Hoje é uma segunda-feira e as pessoas me encorajam a ter medo delas.

22 octobre 2005

La Fille sur le pont

Vanessa Paradis em La Fille sur le pont [A mulher e O Atirador de Facas], de Patrice Leconte.

Preciso rever esse filme, preciso!

21 octobre 2005

Inquietações WoolfiANAs



Silêncio de resposta e sangue ainda
os vidros soltos sobre a cara
mesmo sem saber que retornamos
saibamos que o espelho que desaba
fere e contunde nossa cara...
Ana C.

Toda vez que eu a via, lá estava ela, compenetrada, olhando para o próprio polegar, sem entender o que havia nele. Era algo que a machucava, embora ela não demonstrasse. Ficava ali, querendo livrar-se daquele incômodo. Às vezes eu pensava que roía as unhas, mas era para o polegar que ela dava atenção. Antes ou depois da sessão de cinema, ela olhava para o polegar. No meio da pista - lotada - de dança, ela parava, olhando para o polegar. Afinal, esse incômodo havia se transformado num indecifrável mistério. Até que, finalmente, naquela fria manhã, ela parecia decidida a livrar-se daquilo. Na mesa do café, sob a luminosidade cinzenta de uma segunda-feira, ela tentou com uma pinça, sem sucesso. Pegou uma agulha de costura, sentou-se diante de mim e, muito calmamente, retirou do polegar o motivo de todo o enigma: sobre a ponta da agulha, um caco de vidro, uma minúscula e brilhante partícula da qual ela, finalmente, se livrara. Seria um pedaço de espelho no dedo? Nada incomum para quem escreve poesias nas paredes do apartamento e faz mousse de maracujá de madrugada.

fragmentos

"Quase analfabeto de si mesmo,
Sem vocabulário suficiente
para explicar-se sequer a um espelho..."
Caio F.

E porque parece que certas - ou todas - as coisas nos levam a outras. E porque, após horas de indecisão, algo - ou alguém, óbvio - me trouxe até aqui e encontrei esses fragmentos do Caio. Querendo, no momento em que os lia, escrever como ele. Caio com Cake ao fundo, de manhã. A preciosidade desses momentos é que faz a diferença. A idéia do que poderia ser uma vida perfeita. Literatura literalmente colada pelas paredes, portas, janelas, na porta da geladeira. Marilyn na parede ["Marlene on the wall...", Suzanne Vega]. Naquele sábado que parecia o dia que você escolheria para guardar numa redoma, como um peixe raro. Agora enxergo, retorno ao fio da meada para deixá-lo escapar intencionalmente. Não é mesmo para ter sentido ou explicação. São esses os momentos em que me descomplico.

20 octobre 2005

notas de uma segunda-feira que já morreu


"Quem ama o abismo, precisa ter asas..."

Só agora, quando a festa acabou, as luzes se apagaram e as músicas cessaram de tocar, só restando uma ligeira e amarga ressaca e um zumbido insistente nos ouvidos, só agora é que percebo, nesse sono que me parte entre o real e a diluição, que estava dentro de um barco afundando sem música ao fundo [estrelas no fundo do poço, Mrs. Plath?]. O sol de segunda-feira, embora tímido e preguiçoso de manhã, atravessa a janela do ônibus, derretendo meus sentidos. Houve uma vez em que desceu um daqueles anjos que ilustram as bíblias sagradas e sentenciou com seu linguajar solene: "terás o direito de amar apenas o impossível. Quanto mais intenso o amor, maior a impossibilidade". Desde então, há esse intransponível e vertiginoso abismo bem diante dos meus pés. "Amarás o abismo", disse o anjo. "Quanto maior o amor, maior o abismo". Dentro dele, o barco afundando. Afundando no ar.