23 janvier 2006

angels versus aliens










Ouvir Mogwai é bem diferente de ouvir Björk. Quando se ouve Björk, a música toma forma, sai voando pelo quarto, saindo pela janela. Você tem vontade de ir junto com ela, feito um ratinho atrás da flauta mágica. Mas quando se ouve Mogwai, parece que tudo se dilui. Tempo, espaço, objetos, pessoas. E, principalmente, você mesmo. É uma viagem perturbadora. Escrevo esquisito assim porque li dois contos de Clarice Lispector ouvindo Mogwai. Eram dois contos infantis: “O Mistério do Coelho Pensante” e “A Mulher Que Matou os Peixes”. Li para ocupar a mente e porque sabia que seriam as únicas leituras que me prenderiam. Passei a tarde tentando me concentrar em “Minha Querida Sputnik”, com o coração querendo saltar pela janela, mesmo abaixo de chuva, igual à caixinha de leite do Blur.
Ah, esqueci de dizer que escrevo esquisito assim porque a Clarice também escreveu desse jeito nos dois contos. Escrever para crianças deve ser melhor do que escrever para adultos. Porque os adultos nunca entendem o que você diz. Às vezes, é difícil entender o que uma criança diz porque ela ainda é verdadeira e simples, coisas que os adultos não são. Ela usou essa linguagem nos contos como se conversasse com crianças à sua volta. Clarice é uma pessoa e uma escritora muito, muito importante. Junto com Sylvia, Ana C., Hilda, Emily, Virginia, Dorothy, Katherine, Jane B. e Mariana, ela consegue me trazer de volta de um lugar muito sombrio e distante que muitas pessoas chamam de morte. Eu, sinceramente, tenho às vezes vontade de fechar os olhos e dormir profundamente nesse lugar até que eu seja coberto por muita relva e árvores e bichos e minha memória tenha se apagado por completo como uma tevê fora do ar. Mas eu não tenho coragem. Tem pessoas que me prendem aqui, pessoas que eu amo muito, embora elas não acreditem ou não se dêem conta. Eu gostaria de estar perto delas, não necessariamente do ponto de vista físico, mas em pensamento. Vocês sabem, crianças, que os adultos são muito ocupados. Eles inventam mais compromissos e promessas do que são capazes de realizar. Esses compromissos são mais importantes para elas do que pessoas, vocês acreditam? Quanto às promessas, bem, elas esquecem rapidamente. Quando isso acontece, eu procuro pelos livros, por músicas ou me escondo numa sala de cinema. Tem vezes que faço assim: ouço Mogwai sem parar [claro, enquanto Cat Power nova não vem] e escrevo até me diluir com as palavras. Faz tempo que não vejo a terra redonda, Clarice. Mas me conta, vai: como é que o coelho faz para fugir da gaiola?

03 janvier 2006

razões

Eis aí uma razão para se estar presente durante o ano de 2006. E os caras lançam coisas ainda em bolachão. Imaginem vocês, chegar em casa, ao final da tarde, retirar um vinil da Cat Power, com cheirinho de fábrica, ouvir o barulho do braço do toca-discos iniciando a rotação. Se atirar no sofá, a luz da sala apagada, apenas a tênue claridade dos últimos raios de sol. Os primeiros acordes e a voz de Chan Marshall saindo daquelas ranhuras. A tarde então se transforma, seu corpo e sua mente reagem e você flutua e flutua. Tudo vira música. E nada mais ao seu redor terá a menor importância pra você. Tudo o que importa naquele momento é um vinil girando. Isso pode valer uma eternidade. Por enquanto, é esperar. O que nos reserva esse The Greatest?