29 septembre 2006

ponte aérea



















Os dois combinaram que não olhariam para trás após a despedida. Ela entrou na sala de embarque. Ele desceu a rampa do aeroporto, acendeu um cigarro amassado do bolso, em direção ao metrô. À noite, depois do trabalho, fez compras para o café da manhã. Comprou coisas das quais ela gosta. Só quando entrou no apartamento é que sentiu seu coração travar. Andou a esmo, tentando organizar cedês e livros, e punha-os de volta no mesmo lugar. Olhou para as roupas no varal, para as roupas sobre a tábua de passar roupas. Olhou para a foto no porta-retrato - uma foto dela -, para a mesa de café vazia. Espiou rapidamente a cama desarrumada. Pôs um cedê da Björk para tocar, o mesmo que ela havia escolhido na última noite deles. A última? Foi para a cozinha e olhou para a pia: duas xícaras, dois pires... o resto de nescau no fundo da xícara que ela usara. Seus olhos foram se turvando de lágrimas. Abriu a torneira, ensaboou a louça e, apoiando as mãos na beira da pia, chorou tanto e tanto e tanto... mais ainda que a torneira que ficou aberta... Ele ainda ouviu a risada de Natalie, sentada sobre a máquina de lavar roupas, segurando o vaso de violetas no colo. “Essa cena está parecendo com a desses filmes melosos”, ela disse. E riu muito dentro dos ouvidos dele. Nunca Björk lhe pareceu tão triste.

22 septembre 2006

DA ARTE DE MASTIGAR VIDRO










Cacos sobre as calçadas da Rua da República, cacos na xícara de café, na fumaça do cigarro, no banco do ônibus... cacos arranhando garganta e olhos, cacos que rasgam a garganta... cacos nas músicas do Gentle Waves, cacos sobre o carpete, cacos no lugar de estrelas de um céu sem nuvens nem lua, cacos no teclado do computador, no cheiro de sopa na cozinha, cacos sobre mesa e pratos, sobre a cama arrumada, cacos que respingam com a voz embargada, cacos que rasgam almas em pedacinhos.