09 décembre 2005

**De Como Vim a Tornar-me um Mediador da Bienal ou Das Vezes Em Que Escrevo Certinho...



"Ser mediador era um sonho antigo. Eu já flertava com a Bienal do Mercosul desde a sua 2ª edição. Ficava maravilhado com a diversidade de manifestações, embora entendesse pouca coisa. A Bienal, a meu ver, é uma celebração. É quando Porto Alegre respira e vive arte. Tudo o que, para certos "especialistas" como Martha Medeiros, poderia ser rotulado como ferro retorcido e outras asneiras, era para mim, o desejo de se dizer algo quando faltam palavras. Assim, segui alimentando esse amor platônico. A cada dois anos, me imaginava fazendo parte dela. Não bastava ser espectador. Eu queria estar lá, do outro lado, em contato direto com as obras, os artistas, os bastidores, a equipe. A oportunidade surgiu na 5ª Bienal. Me inscrevi – honrando nossas tradições – no último dia, numa sexta-feira à tardinha. Mandei currículo, carta de intenções... numa corrida contra o tempo. Na semana seguinte, a notícia de que eu havia sido um dos selecionados. Depois, aquele curso que mudou bastante a minha maneira de ver e pensar arte e o mundo ao meu redor. A tensão entre os questionários, quando eu pensava que seria eliminado no meio do caminho. Percebia que os candidatos estavam tensos também. Finalmente divulgam a lista e o amor pela Bienal passou a ser correspondido. Agora eu era um mediador. Mediador? Mas que diabos faz um mediador? Até então, eu me imaginava como um monitor, tomando conta das obras e sorrindo para o público. Nada disso. Eu mediaria grupos. De diferentes faixas etárias, escolaridade, classes sociais. Um poço de timidez lidando diretamente com pessoas, conversando sobre arte, obras e artistas. Tarde demais para desistir. Fiquei feliz quando soube que trabalharia no MARGS, um museu pelo qual tenho um imenso carinho, e estaria diante de obras históricas dos anos 50 em diante. Dias antes do início da Bienal eu conhecia poucos artistas. Começamos nossas pesquisas, enquanto a ansiedade só aumentava. Finalmente, o enfrentamento. O início da Bienal. Dezenas de grupos agendados à nossa espera. Primeira mediação: grupo de taxistas de um curso de turismo. Muitos nunca haviam entrado no MARGS. Eles olhavam admirados para a imponência do prédio que quase ofuscava as obras. Queriam saber mais sobre o MARGS do que a respeito da Bienal e as obras ali expostas. Percebi, então, que haveria, sim, públicos muito heterogêneos. Que eu aprenderia muito com eles também, que estaria diante das mais diversas e inesperadas opiniões e reações. Conversei muito com os colegas mediadores a respeito dos artistas e do período em que estes viveram. Foram diferentes olhares, todos extremamente interessantes e enriquecedores. Mediadores que cursavam Arquitetura, Artes, História, Letras... tornaram-se amigos. No meio de tanta correria para cumprir horários e realizar mediações, descobríamos afinidades que a arte nos proporcionou. O cansaço era superado pelas conversas, mesas de bar, "horas felizes" e até piqueniques. E ouvíamos cada uma. Tantas histórias acabaram sendo registradas no "livro de causos". Merecia ser publicado. Acredito que poucos mediadores não foram confundidos como o "dono da obra" ou como o próprio autor. Eu mesmo já fui autor das obras cinéticas da Matilde Perez ou dono dos desenhos do Amilcar de Castro. De uma certa forma, nos sentimos responsáveis, após convivermos diariamente com elas, conversando a respeito com o público, pesquisando sobre cada artista. Nos tornamos íntimos, meio cúmplices até. Barcala, por exemplo, conquistou vários admiradores. Mira Schendell fascina com suas obras e vida praticamente desconhecidas por tantos.
Presenciei visitas realizadas em frações de segundo, outras que ficavam horas diante de um único trabalho do Waldemar Cordeiro. Gente que xingava que "aquilo não era arte", que o filho fazia igual, que não penduraria "aquilo" na parede. Pessoas que queriam tocar nas obras, outras que só queriam usar o reflexo para arrumar o cabelo. Vi também olhares brilhando fascinados, pessoas surpresas, chocadas, curiosas, desconfiadas, questionando o que é arte. Gente que perdeu o medo de ver arte de perto.
Ouvíamos de tudo, mas gostaria de ouvir muito mais. As pessoas ainda têm medo de se expressar, de opinar.
Acredito que toda essa experiência não termina com o encerramento da 5ª Bienal. Muito do que aprendemos terá continuidade de alguma forma. Seja numa simples conversa, na área em que atuamos, nos estudos, em diversas atividades que possamos desenvolver. O vírus da arte ficou incubado em nós."
**Texto-depoimento escrito para a Bienal