23 décembre 2005

a menina triste da parada do ônibus que ninguém vê

Vou contar para vocês uma história. Uma história sem final. Até porque o final me parece tão óbvio. A história de uma menina que não é lá muito bonita. Na verdade, ela não tem atrativo algum. Há quem a chame de cult ou indie. Isso é por causa dos óculos que usa, além das camisetas de bandas e seus inseparáveis All Star. Ela freqüenta lugares bacanas. Há vezes em que se vê rodeada de gente, indo parar em festas alheias e até arrisca dançar uns Beatles ou mesmo um Cure arranhado que não saía do lugar. Mas sente-se sozinha. Ela ama o cinema, é viciada em livros. O que a leva a ler vários ao mesmo tempo, abandonando muitos pelo caminho feito amantes. Ela acredita que o único lugar no mundo em que sente um pouco de felicidade é a sala escura do cinema, quando a tela se ilumina à sua frente e ninguém a vê. Parece-lhe um mundo imenso, vasto mundo onde tudo vira arte e poesia, mesmo a dor, o sofrimento, o desamor. Hoje ela estava particularmente triste. Assistiu a um filme sozinha, como quase sempre faz. Depois, na parada do ônibus que demorou meia hora para chegar, ela aproveita o tempo a observar pessoas. A faixa de segurança do Iguatemi é a passarela. Nela, desfilam todas aquelas pessoas que parecem ter saído de um comercial. Cheirosas, limpas, atraentes, bem sucedidas, desejadas. Era isso o que ela buscou a vida inteira: ser desejada. Não havia um só olhar na multidão ao redor que buscasse o seu. Seus olhos eram como pássaros desnorteados na noite, sem ter onde pousar. Nas festas, ela pode dançar a noite inteira, mas ninguém a procura. Hoje, no cinema, sentou-se uma mulher ao seu lado. Então ela pôs-se a fantasiar que aquela mulher sentara-se ali de propósito, mexendo os cabelos, e que, a qualquer momento, pegaria na sua mão. Nada disso aconteceu. Ao final da sessão, a mulher permaneceu durante os créditos e, ao se levantar, deixou um papel dentro do porta-copos. Deve ser o número do telefone, pensou, uma cena tão... cinematográfica. Ela respirou fundo, esperou que a mulher se afastasse e olhou disfarçadamente para o papel. Era apenas o ingresso do cinema. Nenhum recado sequer. Embarcou no ônibus com poucos passageiros. Uma menina de cabelos vermelhos à sua frente [ela tem fetiche por cabelos vermelhos] olha fotos num álbum. Um casal de namorados entrelaça os braços. Ela retorna aos contos do Drummond. Não o Carlos. O Roberto. Ela tem tanto sono porque passa as madrugadas ouvindo música e escrevendo. À espera de um telefonema, mesmo sabendo que o telefone, maldito telefone, não irá tocar. Ela chega atrasada ao trabalho porque gosta de ouvir música quando acorda. Hora de enfrentar o mundo outra vez, menina. E a história se repete como um filme. Mas sem espectador.

4 commentaires:

Anonyme a dit…

E eu por minha vez acho que essa menina é o alter-ego de um certo menino...

Anonyme a dit…

André, André!
Terminei ontem de ler "A convidada", da Sra. Sartre. Aquele livro do qual eu tentei falar e vocês não se interessaram. Mas eu nem te conto que esse livro é tão bom tão bom tão bom tão bom e que tu ia gostar TANTO.

Anonyme a dit…

Vejo que você é fã dos Belle & Sebastian. Já ouviu os Kings of Convenience? Jorge (praz64@hotmail.com)

Anonyme a dit…

Alguém precisa dizer a essa 'menina' que muita gente, nesse louco mundo, é cega.
Eu não, felizmente (e ela, quando longe, me faz taaaanta falta)
E.