25 décembre 2007

Quatro Mil e Setecentos Presentes
















Ray Caesar, "Trouble Child"


Esta é a luz da razão, fria e planetária.
As árvores da razão são negras. A luz é azul.


Sylvia Plath


Véspera de um Natal sem ceia. Sem enfeites nem confeitos. Sem luzes. Um café preto, um pedaço de bolo. Uma mesa vazia. Quase vazia. "A Insustentável Leveza do Ser", com seu cheiro e cor de livro antigo, é a presença mais nova na casa. Devora cigarros como devora o ar. Devora cigarros como devora desejos e sonhos no ar. Devora vazios. O ar quente de Porto Alegre a sufoca. O silêncio sufocante de Porto Alegre a devora. O silêncio é seco. Seco e planetário. O sol invade a sala. Amarelado como páginas velhas e rasgadas. Rasga as cortinas, amarela os livros, empena os discos. Rouba-lhe o ar. O coração acelera. A fumaça lhe envolve o pescoço como uma écharpe. A écharpe assassina de Isadora Duncan. Mas ela não dança. Não sabe dançar. Efeito das mais-de-quatro-mil-e-setecentas-substâncias-tóxicas presentes no cigarro, no ar quente de Porto Alegre, no silêncio sufocante de Porto Alegre, no café preto, no pedaço de bolo, nos cheiros e cores do livro antigo, no sol que invade e sufoca. Respira. Esquece. Olha, de relance, a gata que caça moscas na cozinha. Ela é a mosca na cozinha que se choca contra o vidro. No interior de um vidro. Sem ar. Respira o vazio. Esquece o cigarro. Esquece o livro, o café, as cortinas rasgadas. As 4.700 substâncias tóxicas presentes. Seus presentes. Ninguém presente. Esquece, sobre a mesa quase vazia, uma página. Quase em branco.

2 commentaires:

Maria Fernanda Stinghen Gottardi a dit…

Boa tarde, André...
Adorei seu blog! Lindo texto!

Anonyme a dit…

muchas gracias por el comentario! se aprecia ;)