Esta é a mala de couro que contém a famosa coleção. Reparem nas minhas mãos, vazias. Meus bolsos também estão vazios. Meu chapéu também está vazio. Vejam. Minhas mangas. Viro de costas, dou uma volta inteira. Como todos podem ver, não há nenhum truque, nenhum alçapão escondido, nem jogos de luz enganadores. Ana Cristina Cesar
23 février 2006
20 centavos
[livremente inspirado na melancolia explícita de Gentle Waves]
Que cena patética!, diriam seus amigos diante daquele quadro: ele a beijava tão vorazmente como se beijasse alguém que estivera longe por meses, anos ou mesmo décadas. Quanto tempo não se viam? Cinco dias? Talvez nem isso. Numa tarde calorenta e abafada, como costumam ser as tardes de fevereiro, ele cobria seu rosto de beijos. Beijava olhos, nariz, em torno da boca, os braços, mãos, barriga [ela sente cócegas]. Uma felicidade imensa. Ao passo que ela. Ela apenas sorria. Constrangida talvez? Impassível talvez? Quem sabe houvesse, naquele sorriso, um tantinho de contentamento. Ou seria pura e simplesmente vaidade? Ele a beijava sem receber ou esperar resposta. Ele a beijava como se beijasse alguém que está do outro lado da vidraça numa daquelas despedidas de aeroporto. Porque ele nunca poderia prever quando a veria novamente. Eram como K. e Sumire em Minha Querida Sputinik. Num momento como aquele, uma faísca, por mais inofensiva que fosse, poderia provocar um incêndio avassalador.
Foi assim, entre a música vinda da cozinha, choros de criança e alarmes de carro – uma orquestra pré ou pós apocalípica? – que ele parou, subitamente, de beijá-la, olhando para o fundo sem fim daqueles olhos castanhos brilhantes. Foram delas as seguintes palavras: nós já conversamos sobre isso. Eu nada posso fazer por você. Sei que você me entende... Calmamente, ele se levanta, amarra os tênis e sai: vou comprar cigarros, diz, a caminho do corredor. Um cigarro apenas. Um cigarro de vinte centavos. No elevador, ele lembra das plantas mortas na cozinha. As mesmas plantas que ela nunca tivera habilidade suficiente para preservar.
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4 commentaires:
ai...
estou com saudades suas. recebeu minha carta? pretendo retornar a atividade de blog agora que tenho internet. apareça. beijo
o que acontece com o blogger? recebeu minha outra mensagem. bom, fica registrada a minha tentativa
mata ela mata ela mata ela mata ela e mata ela
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