24 juillet 2006

desalumio




Sem saber exatamente como e, na falta de uma explicação mais clara, ela me confidenciou que havia atingido uma espécie de... anti-iluminação. Seja lá o que isso signifique, foi a única palavra que lhe ocorrera ao constatar, num de seus momentos de transe - quando fuma absorta entre turbilhões de palavras, frases desconexas vindas de todas as direções, numa tentativa desesperada de não perdê-las, de escrevê-las como uma forma de manter os pés bem firmes no chão - que seus desejos mais voluptuosos haviam se esgotado. Mesmo quando deparava-se com meninas bonitas na rua, estas não passavam de apenas-umas-meninas-bonitas-na-rua. Meninas com as costas nuas dançando sensualmente bem diante do seu nariz, eram simplesmente umas meninas bonitas e nada mais. Seus desejos haviam morrido, cessado, estagnado como uma lagoa em decomposição. Haviam desaparecido.
- Você acha que os desejos morrem assim? Simplesmente se apagam? Desaparecem de uma hora pra outra? Ou, vai ver, eles se transformam, se transferem, procuram um outro caminho, uma nova forma de ...expressão?
Ela pensava estar prestes a desvendar o destino deles quando, numa daquelas casas noturnas abarrotadas de caçadores ávidos e vítimas traiçoeiras, uma mulher, que mais parecia uma musa de filme noir, sussurrou-lhe ao ouvido:
- Linda, ela, não?, - indicando a garota de cabelos negros encostada à parede, os olhos brilhando como os de um gatinho inocente, aguardando para ser devorado.
- Sim, é perfeita - respondeu, visivelmente espantada com a abordagem.
- Vou ficar com ela - confidenciou-lhe a musa, um tanto embriagada, mas segura em sua decisão.
Ela lhe responde com um sorriso nervoso. Não havia nada a dizer.
- Você também a deseja? Encontrou mais alguém interessante na festa? O que você faz?
Não entendeu muito bem aquela última pergunta, se havia sido "o que você faz?" ou "como você faz?". Sentia-se como Chapeuzinho Vermelho acuada pelo Lobo, sob seu hálito quente e faminto.
Procurando simular uma certa indiferença - com doses de ingênua superioridade -, ainda trêmula, respondeu:
- Ora, eu escrevo... Sim, apenas escrevo - foi o que ela disse, sem muita convicção. E continuou a beber de um copo que lhe caíra nas mãos.
Algum tempo depois, quando pessoas e gestos foram se misturando até perdê-la de vista, é que pôde voltar a si. E finalmente percebeu que, quem havia estado bem diante dela, aquela mulher misteriosa e sedutora que parecia desafiá-la, era ninguém menos que o próprio Desejo.

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