26 juillet 2006

off board



almas
almas
como icebergs
como velas...

Roberto Piva

Eu jamais a tinha visto daquele jeito. Na verdade, eu nunca lhe dera muita atenção. Foi só quando iniciamos uma conversa aparentemente banal sobre condições do tempo e outras técnicas similares de lapidar o gelo, é que pude percebê-la melhor: estatura baixa, um tanto parecida com a Nathalie Portman. Ela observava-nos conversar, com olhos assustados, por detrás do meu ombro esquerdo. Queria que eu a apresentasse, que a incluíssemos também na conversa. Expliquei à outra pessoa que éramos muito parecidos, mesmos gostos para Literatura, Música, Cinema. Claro que havia situações em que ela queria ouvir Cat Power pela enésima vez, infernizando os vizinhos, enquanto flutuava pela casa, desorganizando todos os meus livros. Ao passo que eu preferia apreciar Jacqueline Du Pré da janela da sala, à procura de luas no céu, em total abandono. Mas, na maioria das vezes, nos entendíamos muito bem.

Então aconteceu o que era de se esperar. Ela caiu de encanto pela minha amiga. E eu passei a desconfiar que era recíproco. Por pura maldade, essa amiga decidiu esnobá-la: “Nós não teríamos a menor chance”. Imediatamente o sorriso apagou do seu rosto, e feito uma criança magoada, ela saiu de perto, acho que foi chorar escondida atrás da porta. Não havia nada que a convencesse a voltar. Queria ir embora de qualquer jeito. Dava pena de ver (foi quando lembrei da Mathilda em O Profissional, ela e aquele vasinho de flores, era de cortar o coração em tirinhas e preparar um strogonoff com ele). Minha amiga voltou atrás, encheu-a de elogios e seus olhos voltaram a brilhar por detrás das lágrimas, como raiozinhos de sol em gotas de chuva. Nos despedimos por fim. E a noite inteira, já em casa, ela em volta de mim, não tocava em outro assunto. Era só “quando vamos vê-la novamente? quando?”.

Pode parecer estranho, partindo de um sujeito ateu, mas essa pessoa de quem acabei de falar é a mesma que, quase todas as noites e madrugadas adentro, datilografa alucinadamente em sua Olivetti Lettera 82 verde quase tudo o que transcrevo para a tela do computador (ela abomina essas tecnologias). É ela a autora da maioria dos textos, devo confessar. Minha doce alma off board.

1 commentaire:

peripatética a dit…

estou confusa. acho que nao tenho cerebro para entender se isso aconteceu ou se é um trecho. bom, mas nao sou muito fã de natalie portman. alias nao sou fã de ninguem, nem de mim. me desculpe por ser assim, ranziza. melhor parar por aqui. hehe gostei do texto. =)