29 novembre 2005

no dia em que eddie vedder esteve em porto alegre...



Dani, eu não precisei pedir. Eddie cantou Daughter e eu fiquei pensando em você, como se você estivesse no show. Ele cantou Jeremy e tantas outras, dessas que habitavam a minha vida e que já estavam gravadas há muito tempo na memória. Ouvi a voz dele de perto, todas aquelas músicas tocadas à enésima potência, cantadas naquele único e exato momento. Uma noite sufocante, onde um copo d'água valia três reais e o público estava exaltadíssimo. Strokes pareceu uma festinha de aniversário. Mudhoney pôs abaixo qualquer esperança de ordem, era o caos antecipando a longa espera desde que Ten aparecia por aqui. Escrevendo assim, tão toscamente, fica a impressão de que vivi um daqueles momentos delirantes, onde poderia lhe jurar que estive presente num show do Pearl Jam. Eddie Vedder a poucos metros dali, celebrando o momento com uma garrafa de vinho. Talvez aqueles que um dia viram Jim Morrisson ou Robert Plant nos tempos do Led Zeppelin pudessem explicar melhor. Não há palavras que traduzam. E você me entende. A nossa relação com a música, esse vício que compartilhamos, cada qual à sua maneira, talvez só mesmo a própria música para traduzir. Estou ligeiramente paralisado, ainda não estou acreditando.

26 novembre 2005

uma citação



Two Womens Reading,
por Sylvia Plath







"a arte de escrever histórias consiste em saber extrair daquele nada que se entendeu da vida todo o resto; mas, concluída a página, retoma-se a vida, e nos damos conta de que aquilo que sabíamos é realmente nada."

[Italo Calvino in "O Cavaleiro Inexistente"]

Isto é para quem havia dito que escrevia mal [e escreve maravilhosamente bem, quando quer]. Para quem disse que começaria a escrever algo decente [quando eu preferia algo indecente]. Para quem escreveu uma vida inteira em cadernos [e jogou tudo "no mato", como prova de amor]. Para quem escreve cartas com mais de 40 páginas. Para quem escreve poemas nas paredes do apartamento e entrega cartas pessoalmente. Para quem escreve e finge que não [no meu caso, eu finjo que escrevo]. Para quem acha que nunca aprenderá nada com a vida, mas continua insistindo. Que insistam sempre "na maldade de escrever".

24 novembre 2005

um poema



Tão somente um gesto
E não o fiz.
Que muitos houvessem tentado,
Apenas eu resisti.

Homens que marcham, que se deixam levar,
Porque vivem.
Estranho guerreiro, eu não marcho.
Corpo morto, já não me carrego.

À frente de cem milhas agrestes,
Como se contra o nada, respondi:
- Estou aqui e aqui perduro.
Isto que hoje fala em mim, em mim se cala.

Mariana Ianelli, "Voz de Ninguém"

23 novembre 2005

meia hora no metrô



Não encontro
no meio de todas essas histórias
nenhuma que seja a minha.
Nenhum desses temas me consola.
Espero ardentemente que me telefonem.
Espero que a chuva pare e os trens voltem a circular...

Ana C.

A menina em pé no metrô com um pesado livro do Dostoiévski [ela só queria ler O Jogador, que estava num dos volumes das Obras Completas], um do Italo Calvino e alguns xerox sobre arte concreta e existencialismo, olha para a moça sentada à sua frente. Nela, vê os ingredientes para idealizar alguém: cabelos curtos e pretos, magra, pele muito branca, blusa vermelha com mangas curtas quase na altura dos ombros, sentada no banco próximo à janela. Apoiado à sua frente, um instrumento musical protegido por um estojo. Poderia ser um violão, mas ela diria que é uma guitarra pela sofisticação do estojo. Olha para suas mãos e as unhas da mão direita são mais compridas. Uma violonista clássica? Imaginou que poderia ser uma violoncelista. Que, pelas formas dos dedos das mãos, poderia ter pés bem atraentes. Limitava-se a admirá-la de longe. No terreno das idéias, as chances de se ferir podem ser menores. Já não haviam lhe dito que "não ter é a melhor forma de não perder"? Pois assim ela seguiu pensando, até desembarcar na mesma estação de sempre, atrasada como sempre e acreditando, como sempre, que encontraria novamente a mesma menina de cabelos curtos pretos em algum lugar da cidade. Porque isso lhe acontecia com uma certa freqüência que ela não sabia explicar. Quando fixava-se em alguém, quase sempre reencontrava essa pessoa. Quase sempre.

19 novembre 2005

SERENATA SINTÉTICA

Rua
torta.

Lua
morta.

Tua
porta.

Cassiano Ricardo

You're the Storm



"I don't know
how to connect
So I disconnect
I disconnect..."

"please sister help me, I just need
some love to
live
just a little love to live..."

Oh, está curando bang, bang, bang
Eu posso ouvir a chamada de seus canhões
Você está visando minha terra
Seu faminto martelo está caindo
E se você me quer, sou seu país

Sou um anjo infernalmente entediado
E você é um diabo intentando o bem
Vovê se infiltra em meus domínios e me golpeia
Vem e ergue sua bandeira sobre mim
E se você me quer, sou seu país
Se você me vencer, sou eternamente, oh yeah

Porque você é a tempestade em que acreditei
E toda essa paz tem sido ilusória
Gosto da doce vida e do silêncio
Mas esta é a tempestade em que acreditei

Venha e conquiste, recolha seus ossos
Cruze minhas fronteiras e mate a calma
Enterre suas coisas e queime meus ventos
Eu ouço balas cantando

Porque você é a tempestade em que acreditei
E toda esta paz tem sido ilusória
Preciso de algum vento para me fazer navegar
Então é nessa tempestade que acreditei

Você enche meu coração, você me mantém respirando...

Sel, tomei a liberdade e publiquei sua tradução. Cardigans é literatura cantada. Uma cantada literária.
Merci.


18 novembre 2005

efeito cardigans



Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

Cecília Meireles, Cânticos VI

O que somos além de memórias que vão-se apagando... O que deram os nomes de alma ou espírito são apenas lampejos de consciência que, algum dia, irrecuperavelmente, desaparecerão. Todas as nossas experiências fracassadas ou não, momentos felizes ou amargos, tudo o que carregamos dentro de nós, nossos sentimentos terão se extinguido, como uma fogueirinha no meio da neve. Teremos literalmente desaparecido. Durante o percurso, muito provavelmente não teremos alcançado o que tanto almejávamos. Talvez tenhamos caminhado uma infinidade de quilômetros e, no meio dele, já teremos esquecido o que era mesmo o que tanto queríamos. E lá teremos ido nós, com nossos amores, desejos, ideais, músicas, filmes, os rostos que não queríamos nunca esquecer. E os livros. Ah, os livros! Tudo se dissolvendo como as imagens de um álbum de fotografia que vamos folheando, os momentos ali congelados em olhares e gestos petrificados. Pensava nisso enquanto ouvia Cardigans e suas músicas carregadas de melancolia, a voz doce da Nina Persson misturando-se à leitura de Gorki, acreditam? Ler Gorki é estar disposto a cair num universo mergulhado em desolação. Nada além do nosso próprio universo, o real [o que é real?], sem maquiagens ou embalagens. Bem provável que eu tenha saído de casa depois disso, deixando o rascunho a lápis. A voz de Nina ecoando sob o calor abafado de um feriado. O calor que você [diz] odeia com todas as suas forças.

12 novembre 2005

Rosiana

Do livro que você me mostrou - lembra? - na Feira do Livro e que eu achei na biblioteca: Rosiana: Uma coletânea de conceitos, máximas e brocados de Guimarães Rosa:

"... a alegria não é sem seus próprios perigos."

"... quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade."

"... pensar na pessoa que se ama, é como querer ficar à beira d'água esperando que o riacho, alguma hora, pousoso esbarre de correr."

"... só sabemos de nós mesmos com muita confusão."

"... a gente cresce sempre, sem saber para onde."

"... através dos espelhos parece que o tempo muda de direção e de velocidade."

"... os olhos... são a porta do engano."

"... os olhos da gente não têm fim."

"Nenhuns olhos têm fundo; a vida, também, não."

"... o mais fundo de meus pensamentos não entende minhas palavras."

"... os sonhos são ainda rabiscos de crianças desatordoadas."

07 novembre 2005

Do meu atual livro de cabeceira



"Ainda não gostei de nenhum dia,
mas não desisti de procurar a felicidade."

Jane Bowles

Amém, Mrs. Bowles, amém...

05 novembre 2005

Fuck Off Is Not The Only Thing You Have To Show

Engraçado como a vida, ao menor desvio na sua trajetória, consegue nos surpreender com uma série de imprevistos. É bem provável que eu venha a esquecer que esse fato ocorreu no dia 4 de novembro de 2005, na noite em que não fui à aula para revirar os balaios da feira do livro. Mas certamente me lembrarei que foi, nessa mesma noite em que a feira ficou praticamente submersa e vi o subsolo do Santander Cultural invadido por uma correnteza, lembrando cenas de “O Iluminado”, que resgatei de um balaio empoeirado da barraquinha da Mosaico, um determinado livro de uma certa escritora: Jane Bowles. Pistas do que viria a ser uma descoberta e tanto: tradução de Lya Luft, apresentação de Truman Capote, somado ao fato de ser, oh yea, uma escritora e ter uma vida atormentada. E o que dizer do título? “Duas Damas bem Comportadas”. Ah, sim, lembrança imediata de uma determinada pessoa. Mas esqueçamos a tal lembrança. Afinal, tornei-me por esses dias o que eu definiria como uma pessoa fria e distante. Embora eu deseje profundamente ficar conversando por horas sem fim ao telefone, apenas com poucas pessoas, obviamente. Creio ser o momento de retomar Katherine M. Retornar às escritoras. Leio Ítalo Calvino e Dostoiéski aguardando na fila das leituras acadêmicas. Mas ninguém que se compare a elas. Vi Emily D. por 5 reais, Gisa, na barraquinha da Mercado Aberto, onde comprei cinco livrinhos de bolso por 2 reais: Machado de Assis, Cesário Verde, Roberto Drummond e Qorpo Santo. Vi Clarice a 6. A grande liquidação, senhoras e senhores, é o que me parece. Preciosidades sob a poeira do descaso. As pessoas não lêem, os livros encalham, os escritores desaparecem no silêncio das máquinas de escrever. Tenho ouvido Arcade Fire, com menos freqüência com que ouço CSS. É o meu topefaive do momento:

1. Let’s make love and listen death from above, CSS
2. Rebellion [Lies], Arcade Fire
3. The Back of the Shell, The Kills
4. Rodeo Town, The Kills
5. In the Backseat, Arcade Fire

Mas o melhor título para uma música eu elegeria Fuck Off Is Not The Only Thing You Have To Show... Isso é também CSS [estaria a bienal me deixando burro?].

P.S.Ainda estou decifrando o conteúdo da caixa. Não fique magoada, ok?