10 juin 2006

joguinho de esconde-esconde



"...então jogo as palavras para cima
e o que cair no papel talvez diga o que quero.
Ou talvez não. Mas se não disser, aí tenho sempre uma desculpa
para tentar de novo."
Mme. Archenar

Ela chega bêbada ao apartamento, após a quinta tentativa de abrir a porta (“malditas chaves doberman...”) no escuro do corredor. Botou Angela Ro Ro para tocar e, com um copo imaginário na mão, põs-se em frente ao espelho, maquiagem borrada por lágrimas, suor e chuva de outono. Mais se assemelhava a um rascunho de desenho a carvão :

“O seu mal, Epiphany, é que você fuma demais, bebe demais, sente demais, idealiza demais. O amor? Oh, sim, o amor. Nada mais é do que uma série de reaçõezinhas químicas em maior ou menor escala. O ser humano é químico, é físico, um animalzinho com mania de grandeza. Olhe para você mesma, Epiphany, uma escritora que não publica, uma cineasta que não dirige. O que você sente é um peso para os demais, um estorvo. Você sonha com os louros do reconhecimento sem haver realizado porra alguma. Agora, eis você aí, procurando ocultar os vestígios de um amor que nunca existiu. Esconde as camisetas dela numa gaveta, o perfume dela, a escova de dentes dela, o outro travesseiro. Mas onde você esconderá o que sente por dentro?”

Ela deixa-se cair sobre a cama desarrumada há dias. A cama, aliás, pode ser um retrato revelador do nosso estado psicológico. Você já analisou a sua? Então, ela sente que algo começa a fazer-lhe cócegas no rosto. Acende a luz do abajur e depara-se com um fio de cabelo que, definitivamente, não é o seu. Um longo e fino fio de cabelo ruivo a lhe sussurrar nos ouvidos:
"isso que você sente aí dentro, menina, não se esconde em gavetas”.

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