08 juin 2006

sim, ela não...


Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo

Mas hoje eu pus fogo na cama
e a fumaça está enchendo o quarto,
está ficando tão quente que as paredes estão derretendo,
e a geladeira, um dente branco se desmanchando.

Anne Sexton


Ela mora numa cidade onde sentir saudades é crime. Assim, ela vive escondida num apartamento emprestado, assistindo a videoclipes na MTV a madrugada inteira, como se tomasse um porre semelhante ao da personagem de “Live with me” do Massive Attack. Quando vê Pixies, pensa consigo mesma: “jamais haverá uma banda como essa...”. Mas muda logo de opinião quando vê “Head On” com Jesus & Mary Chain. Oh, sim, seus olhos brilham diante da televisão, contemplando os cabelos sobre os olhos de Jim & William Reid, suas guitarras distorcidas, suas roupas pretas & vozes aveludadas. “Oh, yea, eles cantam pra mim!”. Os cigarros se consomem rapidamente, abarrotando o cinzeiro como corpos abandonados numa vala comum. Ela dorme no sofá assistindo a “Sugar Kane” do Sonic Youth. Se arrasta até a cama. Acorda à uma da tarde. Recebe duas chamadas por engano. Recebe uma mensagem, outro engano. Sim, ela não apareceu. O maior dos enganos. Ela sente sua falta. Pensa nos pés dela. No gosto que tem sua pele. Sente seu perfume pelo apartamento. Ouve Los Hermanos para se torturar. Ouve Björk. Escreve uma linha a máquina, uma carta que não sai do lugar. Nada sai do lugar (outro engano?).

Havia sangue na pia da cozinha. Demorou a reconhecer o próprio sangue. Esquece muitas vezes que, o que nos move, é esse líquido quente e vermelho (não tão doce quanto mel...). Ela acha que seu sangue é ralo, uma gasolina adulterada. Limpa a geladeira minuciosamente, cada prateleira, cada gaveta. Ao final, o que tem diante de si, é um corpo limpo, frio e vazio, um cadáver que foi dissecado. Ela sente-se como uma geladeira vazia. Um corpo limpo e frio, consumindo-se rapidamente.

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