03 janvier 2007

o que só os gatos percebem










"You'll rise above the sea of doubts
Into a world full of clouds
Alive..."

Azure Ray, Sea of Doubts


Três dias e três noites que não sai de casa. Sentia um gosto amargo na alma. Sabia bem o porquê. Intuição de alma não falha. Ouve cada palavra, sentindo o coração cortar-se em fatias. Não bastava que lhe podassem as asas? Um final no início de um novo ano. Irreparável? Irreversível? Levanta-se da cadeira encharcada de suor, dirige-se até o banheiro, evitando os olhos da gata. Chora escondendo o rosto na toalha, chora o gosto amargo da alma. Brinca um pouco com a gata, antes de se despedir, inventando um sorriso que não tem. Gatos percebem tudo. Embarca no ônibus, vai para o trabalho engolindo a dor. À tardinha, compras no supermercado. Leite em garrafinhas na promoção. Nescau, pão, café e cigarros. Na parada do ônibus, percebe um céu diferente dos demais. Finge ignorar. Mas logo volta-se para trás, para esse céu cinza, laranja e azul que lhe diz: "sua vida vai desmoronar, vai se reerguer, vai cair de novo, mas é a única que temos para lhe oferecer. Não adianta querer abraçar aquilo que não tem. Olhe para a frente, olhe ao redor de si mesma. Nada é assim tão trágico." Céus ao entardecer dizem coisas estranhas. Embarca no ônibus, entra no apartamento. A gata adormecendo sobre o piano é despertada pelo barulho das sacolas. Abre uma das garrafinhas, oferece-lhe um pouco de leite. Diante do computador, percebe que Azure Ray nem é tão triste assim. E que a vida nem é assim tão trágica. Gatos percebem tudo.

4 commentaires:

gabi a dit…

Post perfeito, quase chorei ;_;
Bjs!

Beatriz a dit…

quem me dera ser gato... :)

Unknown a dit…

Gostei do que li.

Unknown a dit…

Convite:
www.pequenaservilhasenesperas.blogspot.com