21 octobre 2006

Correspondência para Macau

Macau, China


Reticências, reticências... é o ritmo dos dias, das horas que parecem andar para trás. Se fossem lesmas, ao menos deixariam rastros. Aqui há rastros. Não de lesmas. Há rastros da portuguesinha de Macau que passou uns dias por aqui. Há o cheiro dela pela sala, pelos livros e roupas, na cama, no travesseiro. Há fios de cabelo sobre o carpete, um vestido vermelho na cozinha, uma borboleta de óculos pousada na porta da geladeira. É com essa portuguesinha que ele deseja se casar. É essa portuguesinha que ele deseja e com quem quer viver e dividir todos os seus dias. Ele olha mais uma vez para a foto sobre o piano, para a cortina branca na janela da sala... e recomeça a escrever a carta, balbuciando em voz baixa, sorriso no canto da boca: "Ah, minha romântica senhora Tentação..."

Interlúdio

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.

Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.

Fico ao teu lado.


Cecília Meireles

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