22 juillet 2005

electric honey records

"Nós buscamos outras realidades porque não sabemos como desfrutar da nossa; e saímos de dentro de nós mesmos pelo desejo de saber como é o nosso interior."

Montaigne


Acho que os pensamentos, as idéias, são como saliva, como veneno de cobra, vão se renovando aos poucos. Não que eu possa chamar de hiato criativo essas pausas em que fico sem escrever nada que ultrapasse uma frase pedantemente medíocre. Também não poderia chamar, as fases em que escrevo, de momentos de criatividade. Se ao menos eu fosse capaz de escrever uma ínfima parte do que o Raduan Nassar escreve! As frases dele ficam ressoando na minha cabeça, levo semanas pra digerir. E os pensamentos vêm e vão com uma facilidade espantosa. Reluto em levantar da cama, afinal já passa da meia-noite, faz frio e chove. Mas as palavras ficam pipocando, com Belle & Sebastian como trilha sonora. Uma possibilidade renovou meus restos de esperança [meio assim, como restos de nescafé] no fundo da lata. Posso ter, diante de mim, uma maquininha de escrever, e verde, como aquela do Erico Verissimo. Mesmo que não passe de um amontoado de plástico e metal, é disso que eu vivo, é assim que sobrevivo. De romantizar as pequenas coisas. Se tratarmos tudo como banal e sem valor [o que na verdade são as coisas, momentos, pessoas, sentimentos, numa análise bem realista], sobrará o quê? E também não venero às cegas, não é uma idolatria desmedida a ponto de ver rostos de santos numa vidraça encardida. Mesmo que tudo seja mentira [o que na verdade é], uma propaganda enganosa, gosto do que escrevem. Vivo disso também. Não estou em busca de nenhuma santidade, até porque elas não existem, todo mundo sabe. "Made by Electric Honey Records". Eu nem havia me dado conta até esse momento de que "this is the first record by Belle & Sebastian. They're called it 'Tigermilk'". E o sono se mistura com a noite, os pensamentos se diluem com a chuva. Depois que eu cerrar os olhos, adeus, pensamentos. Todos eles estarão irrecuperavelmente perdidos.

2 commentaires:

Anonyme a dit…

Por onde tu anda, lord byron?
E como faz pra colocar a foto ali no about me? Eu tentei, tentei, mas não consigo, sou burrinhaaaaaa.

Mme. A. a dit…

A vida é inevitavelmente feita de imagens que construímos e nutrimos em nossas cabeças, de exagerações dos fatos reais, de cores mais fortes que emprestamos à banalidade. Nossa mente é um caderno de recortes, onde colocamos os rostos e as palavras que nos assombram, os acordes que nos despertam e os toques que nos matam. A realidade -- a sua, a minha, que são diferentes entre si -- são construídas por nós mesmos. Nós damos a ela toda a verossimilidade ou o surrealismo que bem entendemos. A máquina de escrever, o resto do Nescafé, Belle & Sebastian alto durante a madrugada, tudo acontece ou não na medida em que deixamos. E que ser humano se acha bom o bastante para qualquer coisa? Que ser humano se acha humano, a não ser aqueles que nem sabem que realmente estão vivendo? Sobramos nós, sentados à janela, olhando tudo passar, com olhos brilhantes, tentando absorver a maravilha de se estar vivendo e andando do lado de fora, enquanto nós mesmos não conseguimos ser maravilhosos quando estamos do lado de fora, simplesmente por termos a necessidade intrínseca de analisarmos, recortarmos, guardarmos, romantizarmos, escrevermos, selarmos e lacrarmos todos os nossos recortes no pequeno caderninho que chamamos de nosso universo.