04 mars 2006

Bonus tracks

Parecia um diálogo entre santos. Afinal, ambos compartilhavam da idéia de que o amor - ? – está muito além de, “simplesmente”, sexo. O que mais importava era o afeto, dividir com a pessoa amada momentos mais duradouros, atemporais até: andar de mãos dadas, carinho no rosto, no cabelo, dormir abraçados segurando as mãos, conversar à luz de velas, desfrutar silêncios entrecortados pela música. Havia uma lista imensa. Ela, não havia dúvidas, era correspondida. Quando saíam os três para dançar, ele, seguidamente, era trocado pelos sofás nos corredores escuros do bar. Mas ele não se importava. Eram suas amigas e estavam – acreditava/acreditavam? – felizes. Quanto a ele, poderíamos enquadrá-lo num caso bem mais delicado. Seria correspondido? O sentimento de amizade, tudo leva-nos a crer que... sim. Ele sempre deixou claro que era uma amizade com bônus. Leve amizade e ganhe amor passional, inteiramente grátis. Era amor platônico declarado, impossível esconder [sabe quando o amor transborda? Era bem assim]. “Do you believe in love? Então está. Não insisto mais”. Nunca esses versos de Ana C. lhe caíram tão bem.


* * *

Quando, finalmente, combinaram de se encontrar, ele mal podia conter o sorriso no rosto. Uma ansiedade adolescente fazia seu coração dar voltas feito um pião. A chuva fez a tarde virar noite mais cedo e ele ali, tremendo de emoção, sob o guarda-chuva.
Ela chega sorridente, com aquele sorriso que - mais tarde viria a saber - era a marca registrada dela. Ela veio sem os óculos escuros, pensou. Porque era só assim que ele a imaginara, do jeito que aparecia nas fotos: óculos escuros e cabelos compridos esvoaçantes.
Procuraram um café mais adiante, e pouco se importaram com o mau atendimento da garçonete. Havia uma ansiedade maior do que tudo para falar. Eram goles de café expresso entre sorrisos transbordantes. Falaram dos cursos que faziam, de literatura, música, cinema, saraus poéticos, viagens dos sonhos que um dia fariam, juntos até. Nos olhos dela, poderia se ver refletidos os fogos de artifício que choviam dos olhos dele, tamanho fascínio. Dias depois, já se visitavam. Iam a festas, cinemas, trocavam CDs e livros. Como se já se conhecessem desde sempre. Nunca havia uma briga sequer. Ela o poupava de seus dias mais espinhosos. Ele, por sua vez, sabia respeitar esses momentos. Além de tudo, trocavam correspondências [como se já não bastassem todos os demais recursos disponíveis de comunicação]. Eram cartas trocadas pessoalmente, palavras urgentes.
Mas nem todos os dias – vocês sabem - poderiam permanecer assim. Houve um dia [e mais outro... e mais outro...] em que ele, para sua surpresa e mágoa, foi atingido pelos tão temerosos espinhos.
Ela parou de receber cartas.
Ele não atendia às ligações dela.
Ela não respondia às mensagens no celular.
Ele desaparecia.
Ela desaparecia.
Ambos silenciaram.
A saudade, no entanto, só aumentava.
Foi o destino [ou o acaso, como preferem?] que encarregou-se de pôr os dois assim, frente a frente, quando dobravam a esquina da Rua dos Cataventos. Ele indo, ela vindo. Ele tinha uma carta pra ela. Ela havia escrito duas cartas pra ele.
Nessa tarde em que não chovia, trêmulos de emoção, viam refletir-se, nos olhos um do outro, fogos de artifício. Falar, eles não falaram. Mas os corações, estes sim, bailavam tontos, felizes, infantis... como piões.

1 commentaire:

Anonyme a dit…

oioi

olhe seus emails, morpehus.

recado do irmão mais velho...

ah, sim.

www.flogs.com.br/sel_kiddo/