03 novembre 2006

violeta, vermelho, cinza


Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te vi
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu

Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer...

Valsa Brasileira - Edu Lobo/Chico Buarque


Reluta em sair de casa. Acende outro cigarro. Enfim, levanta-se da cadeira. Olha-se no espelho mais uma vez. Está ficando mesmo transparente. Olha para o porta-retrato. Interrompe o que ia dizer. Com a boca entreaberta, fica parada ali por algum tempo. Abaixa os olhos, retém as lágrimas. Volta para o quarto, desliga o computador. Atravessa a sala, suspira, respira fundo. Um soluço interrompe a respiração. Esboça um sorriso quase imperceptível: a violeta na cozinha está cheia de flores, mas ninguém vê. Sai do apartamento, tranca a porta, desce pelo elevador. Cumprimenta o porteiro com um sorriso forçado. Sai pelo portão. Olha para o céu, dia ensolarado. Como se faz para não ser notada? Avança pela calçada, sente as pernas fracas, um gosto amargo de madrugadas insones & cigarros na boca. Sente muita sede, está seca por dentro. Aguarda o ônibus, pressionando os livros contra a cintura. Embarca, procura desvencilhar-se dos olhares. Encolhe-se na poltrona. Olhos estáticos através da janela. Lê algumas páginas de Marguerite Duras. Incomoda-se com a conversa alta logo atrás. Começa a programar músicas na sua cabeça, como se guardasse um ipod imaginário lá dentro. Elas vão surgindo aleatoriamente. "Homenagem ao Malandro", não com Chico, mas com uma voz bastante familiar, uma voz feminina a cantar baixinho em seus ouvidos. Uma música alegre. Ela fecha os olhos para o sol no rosto. Excesso de claridade a ofusca. Deleita-se com a voz, com o vento que vem das ruas. Pensa no vestido vermelho, pensa em morangos. Sente um sono terrível. Desembarca desanimada, gostaria de voltar para casa e dormir. Então ela caminha, caminha, caminha. Trabalha, trabalha, trabalha. O tempo não passa, o silêncio não se quebra. Já é noite. Coração apertado, ela desliga o computador, sobe as escadas. Desce a longa avenida. Nem o barulho dos carros é capaz de romper tamanho silêncio. Embarca no ônibus, desembarca do ônibus, entra no supermercado. Compra um litro de leite. Volta para casa. Esvazia o bolso em cima da mesa, olha para as cartas em cima da mesa, para o porta-retrato. Quer dizer alguma coisa, desiste. Liga o computador. Nenhum sinal de vida. Seus olhos permanecem estáticos, a trilha sonora na sua cabeça lhe envia músicas tristes. Sente os olhos opacos, os óculos embaçam, o corpo paralisado. Mas suas pernas, trêmulas e fragilizadas, insistem em seguir caminhando. Na direção dos seus pensamentos.

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