Minha nova idéia revolucionária. Espancar teclados compulsiva e convulsivamente. Até de madrugada, matar meus vizinhos com o martelar insano das teclas. Escrever cartas e corrigi-las com caneta depois. Nada de Errorex ou similares. Não estou falando de teclados de computador. Acordem! Vou procurar uma máquina antiga. Aliás, segundo a Gisa, que não seja antiga demais, sob o risco de não achar fita para a dita cuja. Uma maquininha daquelas antigas - retrô, se preferirem -, formato arredondado, uma cor berrante. Uma máquina cor de laranja ou verde, bem anos 50 [ah, isso não é antigo, por favor]. Quando me disseram que originais de livros poderiam ser extintos para sempre, pensei em ressuscitar as máquinas: larguem esses teclados branquelos dos computadores! Ou estaremos fadados a não mais queimar originais no fundo do quintal [o que, aliás, também são coisa do passado, os quintais]. Nem haverá bolinhas de papel espalhadas pelo quarto, junto com os livros, para dar charme. Nem vizinhos acordados de madrugada por nossa causa. Eu seria o Henri Langlois das máquinas de escrever.
Essa semana, enviei três correspondências, escritas a mão. Deve ser efeito do que tenho lido. As garotas, aquelas. Mansfield, Dot, nossa tia Dot. Descobri recentemente um assombroso parentesco. Dorothy é mãe de Dani. Eu e Gisa seríamos seus primos? Voltando às cartas, o envelope grande foi quase censurado pelas Empresas de Correios e Telégrafos [telégrafos?]. Muito rabiscado, segundo a balconista peitudinha. Por um momento pensei se tratar de novas e expressas ordens do Sr. Presidente dos Correios e... Telégrafos. Argumentei que em toda minha parca vida enviei envelopes rabiscados [um dos rabiscos era o trecho de um conto de K. Mansfield]. Argumento válido. Enviei um envelope rabiscado com um CD dentro [contra as normas! valores declarados não são responsabilidade da Empresa!]. Quero ver se os postais adulterados também chegam. Me avisem, destinatários. "Compra-se máquina de escrever usada, em boas condições..."
  
 Tudo que tenho lido de Katherine Mansfield - e sobre Katherine Mansfield - me soa extremamente perturbador. Quando li "Bliss", o efeito foi imediato. Olhava à minha volta como se visse tudo pela primeira vez, como essas manhãs ou tardes logo após a chuva quando o sol aparece feito um milagre. Ou como, quando criança, olhava para o céu no dia primeiro de janeiro e acreditava que o céu era diferente no ano novo. Ontem fiquei paralisado diante do livro de contos de capa verde, escrito bem grande:  K. MANSFIELD, um verde imitando bordado. Abri ao acaso: "Je ne parle pas français". Foi uma sensação assustadora e fascinante de me ver ali, descrito minuciosamente naquelas páginas. Não sabia se ria, se chorava, se saia correndo, se arrancava as páginas do livro, se morria. Ou se ficava exatamente daquele jeito: paralisado. O que tem essa mulher que conhece tão profundamente cada um de nós, cada pensamento? Foi quando me ocorreu de procurar socorro em outras páginas. Ali! Achei! Ele mesmo! Ah, Cacaso! Com seus versos curtos e certeiros, por vezes desbocados e até engraçados. Sentado no corredor da livraria, armado de papel e caneta, comecei a roubar versos...
 Então ela pôs ideiazinhas mirabolantes na sua cabeça. E nós, por muito pouco, não fizemos das galerias do MARGS o nosso Louvre. Elas, essas mulheres, andam nos cochichando coisas, vêm com umas idéias. Daqui eu me movo lentamente, "Unravel" não me sai da cabeça. 


