18 juin 2005

Correspondência Incompleta

"Quando entre nós só havia
uma carta certa
a correspondência
completa
o trem os trilhos
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos..." [Ana C.]


Da primeira namorada, não conheci o rosto. Apenas o perfume nas cartas repletas de letras de músicas e a voz, ao telefone. Nunca uma foto, uma visita. Sabia apenas que sua pele era tão branca que assustava as pessoas no elevador. Que, da janela do prédio onde trabalhava, podia contemplar Pietro Maria Bardi em seu passeio pela Paulista. E ela dizia sempre nas cartas: "lua só leva tapa na cara, mas não aprende". Não havia emails, MSN. Eram os anos 80. Quase todas as manhãs, à espera do carteiro. De repente, o barulho da carta embaixo da porta da sala. E tudo mudava. Cartas com pétalas de flores, cartas com perfumes e uma letra tão delicada e feminina que apaixonar-se era inevitável. Cartas a cada dois dias, registradas - e sempre com um adesivo escrito URGENTE num canto do envelope - , de São Paulo. Três ou quatro páginas, no mínimo. Desenhos e versos nas cartas e no envelope, como se o espaço das cartas não fosse o suficiente. Até a derradeira notícia, transmitida pela minha mãe: "- Filho, ela não teve coragem de te contar porque sabe que és muito sensível. Ela se casou, com uma pessoa do Rio Grande do Sul..."
Até hoje, nunca pude lembrar onde foram parar todas aquelas cartas.

2 commentaires:

Gisalina a dit…

Essa tua história daria um filme. Tu sabe, né?

Dane a dit…

lindo lindo
quando eu casar aviso pessoalmente e provavelmente em fuga e pedindo refúgio aí...rs.